quarta-feira, 5 de maio de 2010

Por hoje, não quero mais morar sozinho




Éder, cadê a gente neste blog? rs.
Bom, tá na hora de quebrar um pouco a abstinência da escrita.
Antes de escrever, notei que até agora só postei comentários sobre filmes que tratam de filmes.
Está na hora de falar de algo diferente.
Nessa fase louca, na qual não sei o que será de mim, acabo por nem ver muitos filmes. Alguns, porém, vêm em boa hora.
Um filme que assisti e que veio ao encontro de minhas necessidades de catarse foi Albergue Espanhol (L'Aubergue Spagnole, 2002) de Cédric Klapisch, diretor francês.
Uma das grandes discussões do filme é o enfrentamento das expectativas do mundo e o entendimento de si mesmo. Não é por menos que algumas vezes vemos os personagens explodindo, transparecendo por fora o que ocorre por dentro deles.

Pois bem, deixar a cidade, deixar pessoas das quais gostamos e se enveredar em uma cidade nova e desconhecida, onde se encontra gente diferente e desconhecida, situações e dificuldades novas é uma experiência que, ainda que possa ser boa, gera certo transtorno, insegurança, reflexão e preocupação.
Também assim ocorre com Xavier (Romain Duris), jovem francês que viverá por um ano na Espanha, concluindo seus estudos em economia.
Após certas buscas e apoios, nosso protagonista encontra uma vaga em um apartamento, sendo aceito para viver com outros cinco jovens (posteriormente sete), cada um de um pais diferente. Um fator que conferiu uma autenticidade importante para o filme, foi o fato de, também esses atores, serem de diferentes nacionalidades.
No ato da entrevista de Xavier, na qual conversaram sobre ele e a possibilidade de ser aceito, os moradores acabaram conversando sobre eles próprios também, debatendo opiniões; foi aí que percebi como este filme traz diálogos interessantes, discussões próximas e corriqueiras da situação, que poderiam ser deixadas de lado por outro cineasta, mas que enriqueceram a película. Cada um de nós, dentro de nossas vivências, temos debates que podem, em partes, serem semelhantes aos desses personagens. Parafraseando Xavier "aquelas eram discussões que também são minhas".

Dentro desse albergue, e também em seu exterior, nos ambientes em que frequenta, Xavier, como é de praxe em filmes de viagem, reflete sobre sua vida, recorda seu passado, faz amizades, vive diferentes emoções e aprende um bocado de coisas. Mas, as coisas não ocorrem de modo tão frio e piegas.

O filme foi produzido de modo delicado e também diferente do que sou acostumado a ver. Alguns efeitos curiosos...
Ele possui cenas que lembram as de um desenho animado, nas quais ocorre uma sobreposição de imagens relacionadas com o que se fala. Posso citar a documentação necessárias para a viagem que vai aparecendo na montagem, fechando o quadro, tamanha a quantidade.
Há algumas cenas me lembraram seriados ou outros filmes de comédia, na quebra da cena e início de nova sequência. Confesso que não sou um telespectador alegre, que ri frequentemente durante as piadas dos filmes, mas não me contive, por exemplo, quando Wendy, interpretada pela bela Kelly Reilly, nega, com veemência, acompanhar os amigos a uma ida à casa noturna, até que, em um piscar de olhos a cena muda e... Adivinha! (risos).
Sim, Cédric conseguiu me envolver.

Ainda sobre Wendy (acho que gostei de falar dessa menina), estava discutindo o quanto achei fantástica a cena da chegada do seu namorado, na qual as imagens eram intercaladas e até mesmo dispostas uma ao lado da outra, abaixo da outra, mostrando os amigos dela tentando avisá-la, correndo pelas ruas da cidade, telefonando entre si. A impressão que dá é de que eles podem se trombar a qualquer momento. Ótimo o modo como ela foi produzida... Tudo isso culmina com o encontro com o tal namorado, persuasão e uma grande e divertida demonstração do tamanho da amizade que construiram e de suas qualidades cênicas de interpretação (!). Merece um prêmio para a produção, para os atores e outro para os personagens!

Uma característica peculiar das câmeras é a corrida picada (como posso explicar isso?), uma espécie de zoom gradativo e veloz. Ela também, algumas vezes, indicam a visão que o personagem tem do cenário.
Achei linda a cena do protagonista chegando na cidade, andando nas ruas e se imaginando fazendo o mesmo caminho outras vezes, outras tantas vezes, e, com sua jaqueta marrom, se observa vindo ao seu próprio encontro, com a camiseta vermelha, que realmente usará em momentos futuros.
Nas partes finais do filme, Xavier se consulta, com o amigo médico, por estar tendo visões, dentre outras coisas... As imagens que visualiza durante os exames são instigantes. Entre elas, inclui a mulher do médico atrás de uma parede, em trajes íntimos.
Foi com essa mesma mulher que ele havia se envolvido. O diretor mostra o quanto esse envolvimento foi fruto de uma busca por novas experiências, pautada por sua carência emocional e não por uma paixão desenfreada; "Eu não aguento mais", foi mais ou menos isso o que disse Xavier, namorado distante de Martine (a moça da qual ainda gostava) ao beijar sua companheira de caminhadas turísticas.

O filme trata das diversidades, deixa claro o quanto os estereótipos são inúteis. Foi feito em alta verosimilhança com a realidade: as imagens mostram uma Barcelona de um modo não fantaseado, não focado na beleza dos pontos turísticos. Além disso, os estudantes mantém um contato social, mas também estudam e passam um tempo sozinhos.
Detalhes foram cuidadosamente pensados. Uma lista com frases-chaves de seus idiomas é deixada ao lado do telefone para que, em caso de algum morador não estar em casa, aquele que atenda a ligação consiga se comunicar com o familiar do primeiro.
O sotaque e gírias também são pontos de atenção entre eles ("fuck").

Bom, eu poderia falar mais, mas o fato de falar muito pode não ser motivador para uma futura postagem na qual eu queira igualar ou superar a anterior, em termos de comentários.
Não vou resistir, porém (agora que lembrei) de comentar o uso da trilha sonora que foi bem interessante. A utilização de uma linda e triste música de Radiohead em momentos mais introspectivos foi ótima; a roda de violão ao som de "No Woman, No Cry", encantadora. De um modo mais ideológico, essa cena, ou mesmo o filme inteiro, é uma demonstração de como, mesmo sendo de povos tão diferentes, podemos aprender a lidar com as diferenças, entender as pessoas, dialogar com elas na busca de interesses, vivendo assim de modo pacífico, ainda que exista pequenos atritos.

Deixei implícito no título que sempre me agradou a idéia de morar sozinho. Não sei, talvez algum dia eu queira viver essa experiência, no entanto, esse filme fez crescer em mim a vontade de compartilhar histórias e conviver com outras pessoas. Quando eu for dividir novas moradas, que sempre encontre pessoas legais, como os amigos de Xavier, que despediram dele com abraços cheios de afeto.

Já estava aguardando novas cenas com Audrey Tautou. Sua atuação como Marine, namorada de Xavier, não teve muito destaque, mas me cativou.
É hora do regresso.

Xavier voltou a sua cidade. Sua vida havia se transformado e ele havia se modificado com ela.
É hora de se ajustar, conversar com a mãe, escrever no computador, sem camisa, espalhar fotografias, lembrar de todos e correr, correr pelo aeroporto, de braços apertos em um vôo único, sob o azul do céu.

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